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O Passeio no Século XIX e a reforma de Glaziou

Aulas de Frei Leandro do Sacramento
A partir de 1815, tiveram início no Passeio as aulas de Botânica de Frei Leandro do Sacramento, ministradas em um pavilhão construído no canto do parque. Frei Leandro mantinha seu curso regular na Academia Médico-Cirúrgica, mas as aulas ao ar livre no Passeio atraíam dezenas de curiosos, como relatou Edgard Roquette-Pinto em 1940: Ali, ao que parece, era o seu auditório constituído pelo que de melhor havia entre os intelectuais da corte. Naquele tufo de verdura, que é uma alegria e um pequeno parque de história simples (...), nasceu o ensino das ciências naturais em nossa terra (...) Segundo o cronista, Frei Leandro ilustrava suas aulas com material colhido no próprio Passeio. A aula do Passeio Público tão notável na corte, fez com que Frei Leandro fosse chamado ao Jardim Botânico, relata Roquette-Pinto.
O Passeio após a reforma de 1817 e antes da reforma Glaziou.
O terraço do Passeio após a reforma Glaziou (BN)
As Reformas do início do Século XIX
Em 1816, com o Passeio Público em estado lastimável, D.João VI ordenou que se realizasse a primeira reforma do jardim, só iniciada no ano seguinte. As obras atingiram drasticamente o parque original de Mestre Valentim: os pavilhões quadrangulares foram substituídos por pavilhões octogonais, e foram acrescentados novos pavilhões ao jardim. As estátuas de Mercúrio e Apolo, o busto de Febo e os abacaxis de ferro fundido foram retirados. Algum tempo depois desapareceu o menino de mármore que jorrava água.
Em 1824, após as reformas, o Diário do Governo declarou que o Passeio Público era o primeiro lugar de recreio dentro do perímetro urbano. Em 1833, a Regência, em nome de d.Pedro II, autorizou a execução de obras nos edifícios existentes dentro do Passeio. Na ocasião, a construção que servia de senzala para os escravos que trabalhavam no parque estava em ruínas, assim como a casa onde morava o administrador, usada anteriormente para sediar as aulas de Frei Leandro. Na regência de Feijó, em 1835, o jardim foi cercado com grades de ferro, e houve reforma no terraço e nos pavilhões.
Em 1841, o Intendente Geral de Obras Públicas, Cel.Antonio João Rangel de Vasconcelos, comandou uma nova reforma no Passeio. Naquela ocasião as estátuas de Mercúrio e Apolo foram trazidas novamente para o parque, assim como o busto de Febo. O medalhão de d.Maria foi restaurado e o anjo de chumbo passou a substituir o original em mármore na Fonte do Menino.
No final da década de 1850, o Passeio Público se encontrava novamente em estado de total abandono. O escritor Joaquim Manuel de Macedo descreveu a decadência do parque na época: Um dia de chuva era de sobra para ficarem encharcadas muitas ruas do Passeio. Os maciços estavam cobertos de capim e de ervas ruins, e as árvores de parasitas (...) Dois pequenos tanques octogonais (...) estavam destruídos e ambos tão escondidos debaixo de uma vegetação daninha que ninguém deles dava fé (...) As belas grades de ferro do terraço, carcomidas pela ferrugem, davam testemunho da incúria da administração pública (...) A moralidade pública gemia ressentida no interior do jardim.
No canto do parque foi construído um chalet
destinado à moradia dos empregados (BN)
Planta da reforma Glaziou
Reforma Glaziou
A gota d’água do abandono do Passeio deu-se durante a visita do príncipe Maximiliano da Áustria ao Brasil, em janeiro de 1860. Ao pisar no terraço do parque, o príncipe não suportou o cheiro fétido dos dejetos e tapou o nariz com um lenço, envergonhando as autoridades presentes. Assim, o Barão de Uruguaiana, Ministro do Império, convocou, a pedido de d.Pedro II, o tabelião Francisco José Fialho para recuperar o jardim. Fialho contratou o paisagista francês Auguste François Marie Glaziou para fazer um novo projeto paisagístico para os jardins do Passeio.
A reforma Glaziou teve início a 23 de janeiro de 1861. Com a intervenção do paisagista, as alamedas do parque ganharam formas curvas, com grandes gramados. O muro foi substituído por um gradil de ferro e muitas árvores foram cortadas. Foram construídos pequenos rios, um repuxo, uma ilha artificial e uma ponte em forma de troncos de árvore. De Paris vieram quatro estátuas de ferro fundidas no Val D’Osne representando as estações do ano. Os lagos foram povoados por cisnes, irerês e marrecas, além de dois exóticos peixes-bois.
Glaziou desprezou as linhas geométricas próprias do estilo francês adotadas por Mestre Valentim, e introduziu no Passeio o estilo inglês, mais romântico, com caminhos sinuosos. Os jardins de estilo inglês eram considerados na época os mais naturais, livres, e que produziam mais ilusões. Glaziou deu fim à planificação do jardim de Valentim e introduziu uma pequena elevação numa das laterais do parque, onde foram instalados um banco de argamassa imitando pedra natural (rocaille) e um caramanchão. Por trás da rocaille, um jorro d’água simulando uma cascata natural alimentava um riacho sinuoso e estreito, que percorria as laterais e os fundos do parque.
Na ocasião da reforma, Glaziou foi duramente criticado por alterar o traçado original de Mestre Valentim. Para José Mariano Filho, fundador do Instituto dos Arquitetos do Brasil, a reforma Glaziou foi desastrosa e realizada à toque de caixa e à brasileira. Glaziou reordenou também a flora do jardim, introduzindo novas espécies, incluindo árvores exóticas de grande porte, como Figueira da Índia e Gameleira, além de espécies arbustivas de pequeno porte, como a Murta. No Passeio de hoje, sobrevivem ainda grande parte das espécies arbóreas assim como o desenho dos canteiros projetados por Glaziou.
Na reforma foi construído também um amplo pavilhão de estrutura metálica, onde funcionou uma espécie de “café-concerto” (chamado de "botequim" por alguns historiadores), com mesas e cadeiras externas. Ao lado do café foi instalado um coreto, onde todas as noites tocava uma banda alemã. Em um canto do jardim foi erguido um novo chalé destinado à moradia dos empregados do Passeio.
O café-concerto em 1862 (BN)
O Passeio foi reinaugurado na presença do imperador D.Pedro II, a sete de setembro de 1862, quando se comemorava o 40º aniversário da Proclamação da Independência. A reforma Glaziou foi registrada pelas lentes do fotógrafo Revert Henrique Klumb.
Durante a reforma Glaziou, o parque permaneceu fechado ao público, diminuindo assim as opções de lazer da cidade, como confirmam Hermeto Lima e Mello Barreto Filho em História da Polícia do Rio de Janeiro: O Passeio Público, que anos atrás era o refúgio das famílias e ponto de reunião delas, está fechado (...) E como não há distrações, passa-se todo o tempo no meio da família.
Moreira de Azevedo fez um detalhado relato do Passeio Público após a reforma Glaziou: "Vê-se em frente do portão um extenso tabuleiro de grama com maciços de árvores e arbustos, tendo em uma das extremidades um tanque circular e na outra a estátua de Diana. Ladeiam esse lençol de relva duas ruas que vão terminar em frente de uma linda ponte de ferro fundido imitando a madeira bruta. (...) Quase por trás do botequim há uma colina com duas ladeiras e formada por um rochedo artificial; na parte superior tem um quiosque ou pavilhão rústico no centro do qual vê-se um vaso à Luis XV com flores e frutos de ferro fundido. Da colina goza o espectador de um panorama agradável, avista o mar, e descobre quase todo o jardim, as ruas que se entrelaçam, as aléias, as árvores, os tabuleiros de grama e as estátuas que habitam o Passeio. Compreende o Passeio um espaço de 5.040 braças, é iluminado a gás, as ruas são cobertas de areia, há guaritas para soldados, e assentos de madeira e de cantaria (...) É vedada a entrada a animais daninhos de qualquer natureza, às pessoas ébrias, loucas, descalças, vestidas indecentemente e armadas, a escravos, ainda que decentemente vestidos, quando não acompanharem crianças de que sejam aias ou amas (...)"
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